segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

UNIÃO É CONDENADA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR NÃO OFERTAR TRATAMENTO MÉDICO DIGNO A MILITAR QUE ESTAVA EM MISSÃO



Tive o prazer de ver a União responsabilizada pelos danos extrapatrimoniais causados pela forma inadequada e desumana que tratou um de seus soldados. 

O cliente procurou o escritório e relatou que foi acometido de conjuntivite em missão e o Exército Brasileiro, em vez de lhe propiciar atendimento e repouso adequado, ofertou alojamento impróprio ao uso humano e atendimento precário. Veja a decisão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco.


RESPONSABILIDADE CIVIL. EXÉRCITO BRASILEIRO. SERVIDOR MILITAR. DOENÇA INFECTOCONTAGIOSA ADQUIRIDA EM SERVIÇO. TRATAMENTO MÉDICO INAPROPRIADO E VEXATÓRIO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL. REDUÇÃO OU MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO. OBSERVÂNCIA DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO DO RÉU E DO AUTOR IMPROVIDOS.
Trata-se de recursos inominados interpostos pela União e pela parte autora contra a sentença que, em sede de ação especial cível, julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na exordial de indenização por danos morais. Alega a União, em apertada síntese, que não haveria ato ilícito a ser reparado por indenização a título de danos morais, bem como, subsidiariamente, pleiteia a redução do montante da condenação. Em seu recurso, a autora pretende a majoração do quantum indenizatório.  Em linhas gerais, a base da responsabilidade civil encontra-se no descumprimento de um dever, que, sendo conscientemente violado, configura um ilícito, gerando a obrigação de reparar o dano causado à vítima. Assim estabelece o art. 927 do Código Civil, ao dispor que "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo", situação também verificada "independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza risco para os direitos de outrem" (parágrafo único).  Nesse toar, infere-se que 04 são os elementos configuradores da responsabilidade civil extracontratual: conduta (omissiva ou comissiva), culpa latu sensu (abrangendo o dolo e a culpa strictu sensu), dano e nexo causal. No caso dos autos, estão presentes todos os requisitos para a responsabilização da Recorrente, consoante bem ficou demonstrado na sentença vergastada (grifos acrescidos):  “(...)a União reconheceu que o vestiário no qual o demandante fora alojado possuía forte “cheiro de fossa”, em virtude de um “problema hidráulico”, bem como que a melhor solução para a situação do demandante, conforme a óptica da Administração Pública foi adotada, mediante a montagem de uma barraca “dez praças” em frente à enfermaria, ou seja, em área descoberta do quartel (Anexo 02)(...)Os fatos também foram comunicados à autoridade (Anexo 08), que não adotou providências administrativas(Anexo 23)(...)No caso, o procedimento adotado com relação ao demandante não se mostrou adequado, necessário ou proporcional(...)não se mostra proporcional ou lícito, diante de um quadro médico com diagnóstico de infecção bacteriana, com recomendação de pronto isolamento, prescrito por médico da própria unidade, submeter o servidor militar a permanecer em repouso em alojamento insalubre, ao lado de vasos sanitários e com “cheiro de fossa”, ou seja, um eufemismo para representar a exposição ao odor de dejetos humanos(...)Por outro lado, também não se mostrou razoável transferi-lo para uma barraca precária e improvisada no pátio externo da instalação militar, quando disponíveis hospitais conveniados pelo Fundo de Saúde (FUSEX), ou mesmo quando aquele poderia ser dispensado para repouso domiciliar, visto que totalmente incapacitado para o serviço, ainda que de forma temporária(...)Uma vez que o prazo de licença ultrapassava a própria duração da operação, encerrada em 11.03.2014 (Anexo 01), não houve justificativa razoável para manter o demandante em situação precária e tormentosa, conquanto disponíveis outras alternativas que lhe assegurariam facilmente a recuperação da saúde(...)os fatos que se tornaram incontroversos caracterizam situação de constrangimento ao demandante, a qual, por si só, constitui ofensa moral passível de indenização(...)”. grifou-se Como se vê, acometido de doença infectocontagiosa e em momento de grande fragilidade emocional e física, o demandante foi vítima de um tratamento médico inapropriado e vexatório, sendo manifesto o seu direito de compensação pelo dano sofrido. O dano moral é uma ofensa aos direitos de personalidade do indivíduo, ou seja, àqueles direitos que a pessoa possui sobre si mesma, os quais são insuscetíveis de avaliação pecuniária. Entretanto, o fato de não se atingir um bem jurídico avaliável economicamente não impossibilita a fixação de indenização para minimizar os danos causados, razão por que tal possibilidade, como acima mencionado, foi recepcionada pela Carta Magna. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que, para que se configure a ocorrência dos danos morais e, consequentemente, se fixe uma indenização apta a atenuar seus efeitos, não é necessária a efetiva comprovação do prejuízo sofrido pela vítima, bastando que o fato caracterizado como danoso acarrete ao ser humano, como um todo, um sentimento de intranquilidade, angústia, indignação e constrangimento.  No que se refere ao valor da indenização pelos danos morais, insurgência de ambos recorrentes, saliente-se que, na fixação dos danos morais, há de se levar em conta a razoabilidade e a proporcionalidade.  Deveras, há de ser razoável para que não seja de pequena monta, a ponto de não reparar e compensar, nem elevada demais, de todo jeito iníqua; há de ser proporcional, aí inserido o caráter pedagógico, para que o custo da indenização realmente leve o ofensor a tomar medidas concretas para evitar que novas situações se repitam.  É que possuem eles (os danos morais) dupla função, quais sejam, a compensatória e a punitiva.  Por conseguinte, o valor indenizatório deve servir não só para compensar o sofrimento injustamente causado por outrem, como também para sancionar o causador, funcionando como forma de desestímulo à prática de novas condutas similares. Nesse toar, a fixação do valor da indenização pelo Poder Judiciário deve manter como paradigmas o grau de culpa, o porte econômico das partes, dentre outros elementos razoáveis, sempre mantendo a coerência com a realidade. Realmente, não deve ser excessivo, para que não caracterize o enriquecimento ilícito do lesado, mas, por outro lado, deverá sempre buscar garantir ao lesado uma justa reparação em face da natureza do ato causador do dano no caso em concreto, abrandando, na medida do possível, o constrangimento e a humilhação decorrentes do ato lesivo. Nesse diapasão, verifica-se que o valor fixado pelo douto Magistrado singular de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto (tratamento médico inapropriado e vexatório em servidor militar acometido de doença infectocontagiosa em serviço), atende perfeitamente aos ditames acima referidos para indenizar os constrangimentos e as privações sofridas pela parte autora.  Preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, como visto, a manutenção da sentença é medida de rigor, já que analisou perfeitamente a lide, sendo desnecessárias novas considerações além das já lançadas no bojo do ato monocrático recorrido, devendo ser mantida pelos seus próprios fundamentos, por força do art. 46, da Lei nº 9.099/95 (aplicável ao JEF por força do art. 1º, da Lei nº 10.259/01), norma de acordo com os princípios que regem os juizados especiais federais. Por último, visando evitar descabidos e protelatórios embargos de declaração, ressalte-se que não existe a menor necessidade de manifestação expressa sobre os todos os argumentos jurídicos levantados pelas partes, eis que as razões já expostas neste decisum são suficientes para julgamento de todos os pedidos formulados. Idêntico raciocínio se aplica ao prequestionamento. Não há obrigação de manifestação expressa sobre todas as teses jurídicas apontadas como tal. O único propósito de prequestionar a matéria a ser eventualmente levada ao conhecimento das Cortes Superiores, sem que ocorra, na hipótese, qualquer dos pressupostos elencados no art. 535 do Código de Ritos, não constitui razão suficiente para a oposição dos embargos declaratórios, consoante prega a pacífica jurisprudência do STJ. E insta acentuar, igualmente, que os embargos de declaração não se prestam para reanálise de pedidos já decididos.  Recursos Improvidos. Sentença mantida em todos os seus termos, por seus próprios fundamentos. Condeno a União no pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Custas ex lege. A sucumbência em desfavor do demandante restringe-se a honorários, que arbitro em 10 (dez) por cento sobre o valor da causa (art. 55, caput da Lei 9.099/95). Fica a parte sucumbente, no entanto, isenta do respectivo pagamento, em face do art. 3º da Lei 1.060/50, ressalvado o disposto nos seus arts. 11, § 2º e 12. (Nr. do Processo 0502902-58.2015.4.05.8311, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco)

Fica a dica: #lutepelosseusdireitos

Nenhum comentário:

Postar um comentário